quinta-feira, 3 de julho de 2014

Finding Vivian Maier : o documentário sobre a Marry Poppins da fotografia


Vivian Maier usava casacos largos e chapéus de feltro dos anos 20. Andava com passadas largas e arrastava as crianças de quem tomava conta pelas zonas más das cidades. Atormentava-os servindo-lhes língua de vaca ou peixe com a cabeça e olhos intactos. No seu quarto acumulava pilhas de jornais de metro e meio que faziam curvar-se o chão, deixando apenas uma passagem entre a porta e a cama. Usava um falso sotaque francês e evitava dizer o seu verdadeiro nome, camuflando-o em todas as variações possíveis, Mayer, Meyer, Mayers, ou inventando uma nova identidade. Quando uma vez foi confrontada sobre isto, a sua resposta foi tão enigmática quanto ela: "Sou uma espécie de espia".

 Até 2009, Vivian Maier não era mais que uma ama excêntrica. Foi quando John Maloof adquiriu num leilão uma caixa cheia dos seus negativos que a sua história começa a reescrever-se. Eram imagens de rua, retratos do quotidiano de uma América dos anos 60 que John Maloof começou a reproduzir em blogues e redes sociais. O feedback positivo fez crescer uma vontade de encontrar esta senhora. Quem era ela? A única página que o Google devolveu à pesquisa foi um obituário: Vivian Maier falecera uns dias antes.

A partir daqui começa o verdadeiro trabalho de pesquisa de Maloof, que adquire parte dos seus antigos pertences, incluindo cerca de 2000 rolos a preto e branco e 700 a cores, todos por revelar, cassetes em que Maier gravava a sua voz e filmes em vários formatos diferentes.

Finding Vivian Maier, condensa assim estes cinco anos de pesquisa, tentando trazer algumas luzes sobre uma história tão fascinante quanto o trabalho fotográfico da autora, um trabalho autodidacta e que a própria Vivian Maier viu apenas uma vez, quando o obturador da máquina abria e fechava para registar a imagem para sempre.

O resultado final é um documentário leve e cheio de humor. Podiam, no entanto, ter sido incluídas mais cenas com a voz  e vídeos de Vivian, e ter sido explicadas algumas pontas soltas por exemplo, como é que os seus negativos foram parar a leilão, ela que não deitava fora um jornal ou recibo velhos? 
 
O documentário não tem prevista uma data de estreia em Portugal, resta pois esperar pelo DVD.



Para saber mais sobre o trabalho de Vivian Maier, podem ser consultados ambos os sites de John Maloof  e Jeff Goldestein, os dois únicos compradores do seu trabalho.


terça-feira, 1 de julho de 2014

Hiroshi Sugimoto - Lost Human Genetic Archive



Hiroshi Sugimoto - Lost Human Genetic Archive


Quando me dirigi ao Palais de Tokyo para ver esta exposição, ia com os olhos cheios com a série Theaters, em que Hiroshi Sugimoto fotografa várias salas de cinema com tempos de exposição iguais à duração dos filmes. Esperava, portanto, ver uma exposição de fotografia, mas afinal o que vi era bem maior do que isso.

Fotografias, muito poucas, e em vez disso uma instalação gigantesca em que se mistura um pouquinho de quase todas as áreas artísticas (literatura, artes plásticas, música...), defendendo-se o autor com a premissa de que, antigamente, religião, ciência e arte coexistiam livremente. 
"I often think of the artists of the Renaissance, a time in which a harmonious combination of religion, science and art existed."
- Hiroshi Sugimoto

Sugimoto imaginou assim algumas dezenas de cenários apocalípticos, cada um deles explicado por uma personagem através de uma carta manuscrita e dos respectivos objectos que levaram ao fim da humanidade. Há o político, o jornalista, o arquitecto, a feminista, o astronauta, etc. cada um deles testemunha e ao mesmo tempo responsável pelo sucedido.

As fotografias são usadas mais como cenário de fundo, e quase nos passam despercebidas o que não é mau. Mostra, pelo contrário que há um todo harmonioso e que todos os objectos convivem bem uns com os outros.

Sendo Lost Human Genetic Archive uma instalação planeada em todos os sentidos, o autor aproveita-se do próprio aspecto do interior do Palais de Tokyo, que faz lembrar umas ruínas, para melhor contextualizar a sua obra. Afinal, em que outro lugar se poderiam encontrar as últimas memórias da humanidade que não numas ruínas? A exposição depende assim da luz natural, e quando à noite esta rareia, são dadas umas lanternas aos visitantes para poderem explorar o fim do mundo. (Tive eu a sorte de, valendo-me do facto de o museu fechar à meia-noite, o ter visitado a seguir ao jantar!)


A exposição é assim uma espécie de dedo acusador que Sugimoto aponta à sociedade actual. Uma sociedade consumista e egoísta, onde os interesses económicos, a procura de poder e o prazer pessoais são postos à frente da própria comunidade. O autor tenta assim abrir-nos os olhos para as hipotéticas consequências de um futuro que pode não estar assim tão longe de existir. A partir daqui, afirma, "caberá ao último homem de escrever a verdadeira história".

A exposição de Hiroshi Sugimoto pode (e deve!) ser visitada até 7 de Setembro no Palais de Tokyo, em Paris.